Deputado recorre a parecer jurídico feito na Câmara para tentar derrubar portaria que permite a homossexuais declararem companheiros como dependentes; Fazenda diz que contestação não procede
Eduardo Militão (Congresso Em Foco)
Parlamentares evangélicos preparam uma ofensiva para tentar acabar com a principal novidade na entrega da declaração do Imposto de Renda deste ano: a inclusão de parceiros homossexuais como dependentes para fins de dedução fiscal. A arma utilizada é uma nota técnica da Consultoria de Orçamento da Câmara que considerou ilegal a medida adotada pela Receita Federal. Concluído ontem (24), o parecer jurídico sustenta que renúncias fiscais dessa natureza só podem ser feitas por meio de lei, que precisam ser debatidas na Câmara e no Senado antes de virarem realidade, e não por meio de uma “canetada” do Executivo.
Nesta sexta-feira (25), o deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF) entrará em contato com o presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso, deputado João Campos (PSDB-GO). Eles vão discutir medidas para cassar a possibilidade prevista na entrega das declarações de IR, que começa daqui a quatro dias.
Fonseca diz que vai tomar uma das três medidas sugeridas na nota: ajuizar uma ação popular contra a permissão de dedução tributária, apresentar um projeto de decreto legislativo para suspender a medida da Receita ou pedir que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, compareça à Câmara para prestar explicações.
João Campos afirmou que vai conversar antes com o colega para avaliar se a Frente Evangélica vai tomar alguma medida conjunta. Por sua vez, Fonseca tem certeza de que parlamentares evangélicos e até católicos vão apoiar qualquer medida para barrar a inclusão de homossexuais como dependentes nas declarações do Imposto de Renda.
“Isso é totalmente ilegal. Se precisar ir para o Judiciário, nós vamos”, afirma Fonseca, que é pastor da Assembleia de Deus e solicitou o estudo à Consultoria de Orçamento da Câmara.
Um dos argumentos utilizados na nota técnica 3/11, da Consultoria de Orçamento da Câmara, é que a legislação atual não prevê a união estável entre homossexuais. Para disso, diz o parecer, seria necessário mudar o artigo 226 da Constituição.
Paralelamente, o deputado Jean Willys (Psol-RJ), um dos organizadores da futura Frente Parlamentar Homossexual, informou ontem (24) que já tem quase todas as 171 assinaturas para protocolar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para criar o instituto do casamento civil gay. “Faltam poucas assinaturas”, afirmou Willys.
Ele disse que está tendo o apoio de vários parlamentares, mas não o de outros a respeito dos quais nutria expectativas, como a deputada evangélica Benedita da Silva (PT-RJ). “Ela disse que é uma questão de foro íntimo, religiosa”, afirmou Willys.
O assunto ainda está em pauta no Judiciário. Na quarta-feira (22), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) interrompeu o julgamento de um homem que exigia pensão relativa ao ex-companheiro. Ele alegava ter os mesmos direitos da união estável, prevista na Constituição apenas para famílias compostas por homens e mulheres. Se vencer a disputa, poderá estar aberto o precedente para a união estável homoafetiva. Até agora, há quatro votos a favor e dois contrários no STJ.
Problemas jurídicos
A nota técnica, assinada pelo consultor Francisco Pereira Filho, do núcleo que fiscaliza os gastos do Executivo, contesta o parecer 1.530/10, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que embasou a decisão da Receita. No ano passado, a Portaria 513/10 do Ministério da Previdência considerou os parceiros homossexuais como dependentes em caso de pensões.
De acordo com a nota da Câmara, a PGFN errou porque o artigo 150 da Constituição diz que quaisquer subsídios, isenções anistias ou remissão de impostos só podem ser feitos com base em leis. “Na canetada, eu não vou [aceitar], não. Tem de ter o debate”, disse o deputado Ronaldo Fonseca.
A nota da Consultoria da Câmara ressalta que o artigo 226 diz que apenas “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”. Afirma ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal obriga toda concessão de benefícios fiscais, como a dedução de imposto para os gays, lésbicas e transsexuais, vir acompanhada de impacto orçamentário e fonte de compensação da receita a ser perdida. De acordo com o estudo, isso não aconteceu.
A nota alega ainda que a concessão desse benefício aos homossexuais abrirá brecha para outros segmentos da sociedade exigirem novas isenções de imposto. O texto cita como exemplo os irmãos solteiros que moram juntos; os filhos solteiros que permanecem morando com os pais, às vezes adotando filhos; e as pessoas celibatárias que vivem juntas fraternalmente. “Hoje, um irmão não pode colocar o outro como dependente. Por que os homossexuais podem? É uma classe especial?”, critica Ronaldo Fonseca.
A consultoria da Câmara entende que o governo federal foi descuidado ao tentar encaixar os gays nas hipóteses de dedução de imposto. “A administração tributária deve tomar cuidado com essas inovações doutrinárias (…) já que (…) tais teses advêm (…) sem levar em conta principalmente as consequências nas finanças públicas”, diz o consultor Pereira Filho.
Discriminação
Em nota ao Congresso em Foco, o procurador-Geral Adjunto de Consultoria e Contencioso Tributário, Fabrício da Soller, afirmou que a PGFN não ultrapassou suas competências ao definir o conceito de “companheiro e companheira”. Ele garantiu que a interpretação se baseou nos princípios constitucionais, como a proibição da discriminação por questões de gênero, e julgamentos do Judiciário.
“Esta PGFN tem plena convicção da constitucionalidade e legalidade do seu parecer”, afirmou Soller, em nota. O procurador afirmou que o órgão está à disposição da sociedade e dos parlamentares para prestar esclarecimentos sobre o tema.
O deputado Jean Willys lamentou a nota técnica da Câmara. “Seria mais uma inovação em termos de cidadania. Eles estão querendo desmoralizar o parecer da PGFN”, disse. Para o deputado, a sociedade brasileira ainda vive tempo de “obscurantismos” em relação ao tema, o que poderia ser vencido, segundo ele, por meio da educação.
Willys enxerga no crescimento da bancada evangélica e dos cristãos ditos 'fundamentalistas' o principal obstáculo à aprovação de matérias de interesse da comunidade gay. Para o deputado, talvez o Executivo tenha preferido fazer por conta própria a dedução de Imposto de Renda exatamente por conta das resistências no Congresso. “Se fez isso, que bom! O Congresso adia decisões importantes”, afirmou Willys ao Congresso em Foco, destacando o papel da Justiça e do Executivo na garantia dos direitos dos homossexuais.
Ronaldo Fonseca diz achar saudável a iniciativa de Jean Willys de propor uma PEC para o casamento civil gay. “Nós temos que entrar na discussão. Não podemos ter medo de debater o assunto, mas sem rancor, de forma democrática”, afirma o deputado. “Nós vamos nos opor a isso e vamos defender a nossa tese.”
Fonte: Extra Alagoas
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