por Ariovaldo Ramos
Ortega y Gasset, filósofo espanhol, disse: "Eu sou eu nas minhas circunstâncias." Se ele está certo, a salvação de um ser humano deve passar, “conditio sine qua non” pelo resgate de seu contexto. Ou seja, a salvação da pessoa importa, necessariamente, no câmbio de seu ambiente. Essa dimensão para a salvação está presente no conceito cristão de salvação.
Tal proposição está refletida no que me parece ser o significado mais profundo da oração: "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu." A salvação do ser humano e de todas as demais criaturas não se completará enquanto o ambiente não for renovado.
Para a fé cristã, um ser humano salvo é alguém que foi arrancado do inferno e teve o inferno arrancado dele, o que significa que triunfou sobre suas fraquezas, vícios, pecados e traumas; foi transformado em alguém semelhante a Jesus de Nazaré, em quem vimos Deus como é e o ser humano como o deve ser, tendo os seus dons e talentos desenvolvidos, e onde exercitá-los com plena liberdade; é plenamente comunitário; desfruta de todos os direitos humanos em todas as áreas: espiritual, psicológica, econômico-financeira, educacional, profissional, social e política. Assim, salvação é ação social no sentido mais profundo porque é o resgate do ser e de suas circunstâncias.
Por onde Deus começou o que chamamos de salvação?
Quando a raça humana rompeu com Deus, rompeu consigo mesma, uma vez que "nele vivemos, e nos movemos, e existimos" (At 17.28) pois, perdeu o "locus" da existência e o direito à mesma. Quando fomos criados o Criador, por coerência, estava moralmente comprometido com a nossa sobrevivência, porém, quando o deixamos, devolvemos-lhe o privilégio à vida. Então, por que continuamos nela? Só o pode ser por desejo do Senhor.
Seria o desejo do Altíssimo de criar, entretanto, motivo suficiente para infringir o princípio da justiça quebrado, por nós, em nosso ato de rebelião? Não, o seu caráter não o permitiria, logo, algo foi providenciado: "Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós." (1 Pe 1.18-20). O sacrifício do Cristo foi a providência! E aconteceu antes da fundação do mundo.
A Trindade sabia o tempo todo do passo que daríamos, e foi em frente mesmo assim. A criação foi uma ação social, uma vez que a existência de tudo deve-se à insistência divina em criar o que precisaria de salvação. A graça deflagrada a partir do sacrifício prévio, e, que é comum a todos os homens, não só permitiu a nossa criação, como impediu que fossemos dominados pela maldade, inerente ao estado de ruptura com Deus inaugurado por nós, mantendo-nos, assim, na existência, emprestando-nos a bondade de Deus e concedendo-nos prazer de viver: "O qual, nas gerações passadas, permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos; contudo, não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estações frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e de alegria." (At 14.16,17). O que explica a presença de atributos divinos - como: amor, amizade, senso do belo, senso de justiça - em pessoas que nem consideram Deus. A graça tornou possível a criação e a restauração de todas as coisas, e a irrupção do novo céu e da nova terra, onde a justiça habitará. A graça é Deus em ação social!
Ação social é o movimento em favor do resgate da dignidade do ser humano, o que implica, necessariamente, no câmbio das circunstâncias onde o ser humano é. Uma ação social conseqüente levará à instituição de um estado de bem-estar para todos. Para além da transformação espiritual da pessoa, fruto do encontro com o Cristo, e que é ato pessoal, inalienável e intransferível. Deus é o patrono disso.
Fonte: Irmãos
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