Larry Downing/Reuters
As reacções ao discurso de Obama foram positivas nos países com comunidades islâmicas



















Analistas comentam discurso do Presidente norte-americano
05.06.2009 - 21h39 Rita Siza, Washington
O Departamento de Estado norte-americano monitorizou todas as reacções ao discurso do Presidente Barack Obama aos muçulmanos do mundo, na Universidade do Cairo, e concluiu que a iniciativa do Presidente não podia ter sido mais oportuna e mais bem sucedida. “As políticas estão em curso, mas o discurso permitiu clarificar as intenções e objectivos dos Estados Unidos e portanto construir mais confiança e adesão popular. A resposta que tivemos foi impressionante”, comentou Vali Nasr, conselheiro do enviado especial para o Afeganistão e Paquistão.

Acabado de chegar do Cairo, o vice-secretário de Estado para os assuntos do Médio Oriente, Jeffrey Feltman, salientou a “atmosfera muito positiva” que transpirou na sala no final da intervenção de quase uma hora de Barack Obama. “Era uma audiência muito diversa, que reagiu de forma emocionada, sobretudo quando o Presidente se focou nas ideias do respeito e honestidade entre os povos, nos direitos e responsabilidades dos países, na rejeição da violência e no compromisso com a paz”, contou.

Num balanço feito ontem pelos responsáveis pelas diversas regiões do mundo onde se concentram as comunidades islâmicas, a satisfação era evidente, com os diplomatas a concordarem que os Estados Unidos beneficiarão, a partir de agora, de um maior espaço de manobra graças à reacção positiva às palavras de Obama.

O embaixador Johnnie Carson, do gabinete de assuntos africanos, salientou o interesse que o discurso suscitou na região subsaariana, onde um terço da população é de religião muçulmana. “Temas como a promoção dos direitos das mulheres, da oportunidade económica, do respeito pela democracia e combate ao extremismo foram muito aplaudidos”, destacou.

Na Ásia Central a reacção foi discreta, mas em países como o Bangladesh, o Sri Lanka e a Índia, as televisões passaram o discurso em directo e a reacção foi muito entusiástica, revelou o vice-secretário Patrick Moon. Na Indonésia, os elogios foram rematados com um lamento: “Que pena que não tenha sido aqui”.

“Foi sem dúvida histórico, e foi um discurso extraordinário”, comentou ao PÚBLICO Stephen Schneck, professor do departamento de Política da Universidade Católica Americana e especialista em política e religião. “Ainda é demasiado cedo para avaliar o seu impacto, mas acredito que as suas palavras continuarão a ressoar no mundo muçulmano por muito tempo. Penso que ele conseguiu transmitir, de forma muito poderosa e simbólica, uma nova relação [dos Estados Unidos com o Islão], e penso que as coisas que ele disse podem levar a mudanças efectivas nas políticas”, declarou.

“Um autêntico blockbuster”, concorda Solon Simmons, professor do Instituto de Análise e Resolução de Conflitos da George Mason University. “Obama foi capaz de falar com respeito aos muçulmanos em geral, e aos árabes em particular, e a reacção da plateia foi uma excelente indicação, com gritos de Obama, Obama no final. Esta questão do respeito é fundamental e é um grande desafio, porque a esfera pública árabe pode ser muito sofisticada, mas também muito cínica, especialmente no que diz respeito à retórica americana”, observa.

Também David Pollock, analista do “Washington Institute for Near East Policy”, contactado pelo PÚBLICO, avaliou positivamente a iniciativa do Presidente americano. “Foi um bom discurso, eloquente, com um bom tom e uma boa escolha de palavras. Cobriu muitos assuntos, o que foi muito positivo, porque não evitou questões difíceis mas sem se concentrar demasiado em detalhes que caem no âmbito das negociações [entre os países]”, referiu.

O rabi Brad Hirschfield, presidente do National Jewish Center for Learning and Leadership, considerou o discurso do Presidente Barack Obama “brilhante”, mesmo se pontuado por inúmera referências que notou serem “muito problemáticas para os apoiantes de Israel”. “Mas este não era um discurso destinado a agradar aos judeus; era um discurso para o mundo muçulmano, e nesse sentido, foi um tremendo exemplo de como se pode ‘tocar alguém’, para usar um conceito bíblico. Obama não podia ter sido melhor e mais eficaz”, disse num fórum promovido pelo “The Washington Post”.

“Em vez de forçar uma escolha dicotómica, o Presidente apontou a possibilidade de um destino comum. E por causa disso, conseguiu que a sua audiência do Cairo aplaudisse a necessidade de reconhecer Israel, de responder ao desafio do Irão, de praticar maiores graus de liberdade religiosa e política, de garantir a toda a gente, incluindo às mulheres, oportunidades educacionais e financeiras. Verdadeiramente histórico”, sublinhou.

O comentador da conservadora Weekly Standard não gostou que Obama tivesse ignorado os sucessos alcançados pelos americanos no Iraque. “O Iraque é hoje um modelo para muitas das coisas que Obama disse esperar ver na região — dos direitos das mulheres à liberdade religiosa, derrota do extremismo violento, desenvolvimento económico e democracia. É um modelo imperfeito, seguramente, mas o Presidente não fez um favor ao país ao ignorar essa realidade”, criticou.

“Um discurso não vai mudar o mundo, mas creio que Obama foi inteligente ao falar nos objectivos de longo prazo em vez de dizer que os Estados Unidos querem resolver os problemas rapidamente”, considerou David Pollock. “Ele explicou uma visão, não uma política”, observou Stephen Schenck. “O discurso revelou o seu estilo de resolução de conflitos, que não tem medo de reconhecer as falhas e as fraquezas para conseguir alcançar progressos. É uma teoria radicalmente diferente sobre a condução da diplomacia”, sublinha Simmons.

“Ele não disse nada de novo, limitou-se a repetir as posições que defendeu na campanha”, reparou Bill Bradley, analista político e fellow de Jornalismo Online da Annenberg School of Communication, University of Southern California, para quem o mais importante do discurso não foi a mensagem mas o meio. “Ele disse o que tinha a dizer no Cairo, a maior cidade do mundo árabe e um dos lugares críticos da história do Islão. E disse-o na universidade mais moderna do Egipto, num evento organizado pelo centro mais importante de estudo da literatura árabe, o vetusto Al-Azhar”, sublinhou. “Em certo sentido, a mensagem era o próprio Obama. Quem ele é”, explica, mas também quem ele não é: George W. Bush.

Os especialistas que o PÚBLICO ouviu em Washington foram unânimes em considerar que a personalidade de Obama foi o “extra” que tornou o discurso um sucesso retumbante. “Ele tem uma credibilidade pessoal e uma capacidade de impressionar as pessoas que não tem comparação com outros líderes americanos”, notou David Pollock.

“Tal como Kennedy teve o seu momento ‘Ich Bin ein Berliner’, Obama teve o seu momento “Mohammed (que a paz esteja com todos)”, assalaamu alaykum”, comparou Solon Simmons. “A sensibilidade de Obama é muito autêntica e sustentada, e agora percebemos exactamente o que ele queria dizer durante a campanha quando garantiu que a sua educação na Indonésia o podia ajudar em termos de política externa”, disse.
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Eginoaldo

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