Ex-candidata do PV diz que ainda não decidiu sua posição para 2º turno Terceira colocada na disputa para a Presidência com quase 20 milhões de votos, a senadora Marina Silva (PV) diz que a religiosidade do brasileiro "é um dado que não se pode negar" e que "o respeito pela diferença pressupõe o direito daqueles que são evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista".
Ainda assim, Marina, que é evangélica, alerta sobre os riscos em que o debate religioso incorre: "Precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade".
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, Marina tratou também do desafio de fazer com que o Partido Verde cresça sem que seus quadros percam o vínculo com a bandeira ambiental e de como, na sua avaliação, o Brasil e o resto do mundo estão distantes de um modelo de desenvolvimento que harmonize economia e ecologia.
"Todos os países ricos ou pobres estão diante do desafio de fazer a transição da forma predatória de desenvolvimento para a sustentável." Sobre a escolha de quem apoiará no segundo turno, ela diz que aguarda que os candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) se posicionem sobre dez propostas que enviou às suas campanhas para tomar a decisão.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista: BBC Brasil - O que acha da afirmação de que a senhora é maior do que o PV? Marina Silva - Eu acho que as coisas se completam. O partido é uma estrutura necessária institucionalmente para que se possa ter uma militância institucional, disputar uma eleição, e obviamente que o partido ter quadros com inserção na sociedade o fortalece.
BBC Brasil - A sra. participou da construção do PT, um dos poucos partidos construídos numa base ideológica, de uma identificação real entre todos os seus membros. A sra. sente isso também no PV? Marina - Sinto. O PV surgiu há cerca de 25 anos, muito pela experiência do (Fernando) Gabeira, do (Alfredo) Serkis e outras lideranças que ficaram exiladas principalmente na Europa, e de lá trouxeram o movimento dos verdes para o Brasil.
Só que no Brasil a experiência verde europeia foi reelaborada à luz dos desafios de sermos um país em desenvolvimento, em que tínhamos o desafio da proteção dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, o desafio da inclusão social.
No Brasil, uma parte muito significativa do PV é identificada com a questão socioambiental. Um outro segmento entrou no partido sem a compreensão programática, mas hoje estamos trabalhando nisso, para que o partido tenha um crescimento significativo, em termos programáticos.
BBC Brasil - O que é preciso para isso? Qual a importância dessa ala não-programática? Marina - Não diria que é uma ala. São segmentos que entram por simpatia pelo partido, na busca de uma participação na política institucional, mas isso tem que ter um investimento em termos de formação.
BBC Brasil - Como a sra. vai se posicionar no segundo turno? Marina - Priorizarmos aspectos importantes para apresentar aos dois candidatos, cerca de dez propostas que dizem respeito à sustentabilidade, à priorização na área social, à gestão pública e à ética. Estamos aguardando a manifestação deles no sentido de internalizar ou não essas propostas no seu programa de governo, e em cima desse processo vamos agora para discussão no dia 17, quando o partido anunciará a sua decisão e eu também anunciarei a minha.
Teremos três opções: apoiar uma ou outra candidatura ou uma posição independente, apelando para que cada eleitor tenha uma decisão consciente com o seu próprio voto.
BBC Brasil - O modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no governo Lula nos últimos anos é sustentável? Marina - O modelo de desenvolvimento em nenhum lugar do mundo é sustentável. Todos os países ricos ou pobres estão diante do desafio de fazer a transição da forma predatória de desenvolvimento para a sustentável.
No governo do presidente Lula, no governo do presidente Fernando Henrique, os partidos tradicionais não conseguiram alcançar o desafio deste início de século, que é de integrar numa mesma equação economia e ecologia.
BBC Brasil - Que indicações a sra. tem de que a Dilma Rousseff poderia adotar esse modelo de desenvolvimento sustentável? Marina - A ministra Dilma e o governador Serra são muitos parecidos. Ambos têm uma visão desenvolvimentista, 'crescimentista', são pessoas com perfil gerencial. Cada vez mais o mundo vai precisar de quem tenha visão nova de desenvolvimento, que seja capaz de integrar as diferentes dimensões do fazer humano, que não fique preso a uma lógica puramente pragmática, racionalista.
BBC Brasil - A sra. conhece alguma ação de José Serra no campo da sustentabilidade que seja digna de nota? Marina - Os esforços que vêm sendo feitos ainda são muito periféricos. Não é uma questão de ter um ministério ou secretaria do meio-ambiente fazendo algumas coisas interessantes nessa área. É como a questão da proteção dos ativos ambientais perpassa o agir de todos os setores do governo.
BBC Brasil - A sra. é evangélica, mas durante a campanha não usou isso para pedir o voto dos evangélicos. No fim da campanha, o tema do peso do voto evangélico veio à tona. O que a sra. achou disso? Marina - Sou evangélica, fui católica durante 37 anos e sempre vi que os cristãos têm uma contribuição a dar à sociedade, em todos os sentidos.
As pessoas que votaram em mim e que são cristãs evangélicas, católicas, seguem outras crenças ou não têm fé votaram também em função da minha trajetória. Ainda que haja identidade com os cristãos evangélicos, o que para mim é motivo de alegria.
Mas as pessoas sabiam que estavam votando em alguém que prima pelo respeito ao estado laico.
BBC Brasil - Alguns analistas criticaram a entrada do tema religioso na campanha, dizendo que ele fez com que o processo político regredisse no país. Marina - Somos um país onde mais de 90% das pessoas creem em Deus, e esse é um dado de realidade que não se pode negar. No entanto, precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade. Mas o respeito pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito daqueles que são evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista.
BBC Brasil - A sra. acha que os eleitores devem estar atentos ao tema do aborto? Marina - As demandas surgem porque a sociedade já está atenta. Teremos que debater a questão no mérito, e não no rótulo. Para mim, a defesa da vida é um princípio, e vejo que não só os que creem têm esse princípio.
Temos que diminuir o número de abortos no Brasil, dando a informação para as mães que muitas vezes pagam o preço muito alto, sequelas de saúde, emocionais...
BBC Brasil - E como lidar com uma mulher que fez aborto? Ela deve ser punida? Marina - É claro que uma mulher que fez o aborto não gostou de ter feito. Precisa de ser acolhida na sua angústia, na sua dor, na sua culpa.
BBC Brasil - O Brasil está de fato aumentando sua importância no mundo? Marina - O Brasil tem cumprido um papel importante, de liderança dentro do G20, G77. Na questão ambiental, o Brasil levou uma posição muito avançada para Copenhague, embora seja um país em desenvolvimento. Mas não se pode ver isso como algo estabelecido e conquistado, é um processo.
O papel que vejo para o Brasil é ser um país em desenvolvimento que busca novo modelo de desenvolvimento.
Fonte: Uol
Ainda assim, Marina, que é evangélica, alerta sobre os riscos em que o debate religioso incorre: "Precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade".
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, Marina tratou também do desafio de fazer com que o Partido Verde cresça sem que seus quadros percam o vínculo com a bandeira ambiental e de como, na sua avaliação, o Brasil e o resto do mundo estão distantes de um modelo de desenvolvimento que harmonize economia e ecologia.
"Todos os países ricos ou pobres estão diante do desafio de fazer a transição da forma predatória de desenvolvimento para a sustentável." Sobre a escolha de quem apoiará no segundo turno, ela diz que aguarda que os candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) se posicionem sobre dez propostas que enviou às suas campanhas para tomar a decisão.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista: BBC Brasil - O que acha da afirmação de que a senhora é maior do que o PV? Marina Silva - Eu acho que as coisas se completam. O partido é uma estrutura necessária institucionalmente para que se possa ter uma militância institucional, disputar uma eleição, e obviamente que o partido ter quadros com inserção na sociedade o fortalece.
BBC Brasil - A sra. participou da construção do PT, um dos poucos partidos construídos numa base ideológica, de uma identificação real entre todos os seus membros. A sra. sente isso também no PV? Marina - Sinto. O PV surgiu há cerca de 25 anos, muito pela experiência do (Fernando) Gabeira, do (Alfredo) Serkis e outras lideranças que ficaram exiladas principalmente na Europa, e de lá trouxeram o movimento dos verdes para o Brasil.
Só que no Brasil a experiência verde europeia foi reelaborada à luz dos desafios de sermos um país em desenvolvimento, em que tínhamos o desafio da proteção dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, o desafio da inclusão social.
No Brasil, uma parte muito significativa do PV é identificada com a questão socioambiental. Um outro segmento entrou no partido sem a compreensão programática, mas hoje estamos trabalhando nisso, para que o partido tenha um crescimento significativo, em termos programáticos.
BBC Brasil - O que é preciso para isso? Qual a importância dessa ala não-programática? Marina - Não diria que é uma ala. São segmentos que entram por simpatia pelo partido, na busca de uma participação na política institucional, mas isso tem que ter um investimento em termos de formação.
BBC Brasil - Como a sra. vai se posicionar no segundo turno? Marina - Priorizarmos aspectos importantes para apresentar aos dois candidatos, cerca de dez propostas que dizem respeito à sustentabilidade, à priorização na área social, à gestão pública e à ética. Estamos aguardando a manifestação deles no sentido de internalizar ou não essas propostas no seu programa de governo, e em cima desse processo vamos agora para discussão no dia 17, quando o partido anunciará a sua decisão e eu também anunciarei a minha.
Teremos três opções: apoiar uma ou outra candidatura ou uma posição independente, apelando para que cada eleitor tenha uma decisão consciente com o seu próprio voto.
BBC Brasil - O modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no governo Lula nos últimos anos é sustentável? Marina - O modelo de desenvolvimento em nenhum lugar do mundo é sustentável. Todos os países ricos ou pobres estão diante do desafio de fazer a transição da forma predatória de desenvolvimento para a sustentável.
No governo do presidente Lula, no governo do presidente Fernando Henrique, os partidos tradicionais não conseguiram alcançar o desafio deste início de século, que é de integrar numa mesma equação economia e ecologia.
BBC Brasil - Que indicações a sra. tem de que a Dilma Rousseff poderia adotar esse modelo de desenvolvimento sustentável? Marina - A ministra Dilma e o governador Serra são muitos parecidos. Ambos têm uma visão desenvolvimentista, 'crescimentista', são pessoas com perfil gerencial. Cada vez mais o mundo vai precisar de quem tenha visão nova de desenvolvimento, que seja capaz de integrar as diferentes dimensões do fazer humano, que não fique preso a uma lógica puramente pragmática, racionalista.
BBC Brasil - A sra. conhece alguma ação de José Serra no campo da sustentabilidade que seja digna de nota? Marina - Os esforços que vêm sendo feitos ainda são muito periféricos. Não é uma questão de ter um ministério ou secretaria do meio-ambiente fazendo algumas coisas interessantes nessa área. É como a questão da proteção dos ativos ambientais perpassa o agir de todos os setores do governo.
BBC Brasil - A sra. é evangélica, mas durante a campanha não usou isso para pedir o voto dos evangélicos. No fim da campanha, o tema do peso do voto evangélico veio à tona. O que a sra. achou disso? Marina - Sou evangélica, fui católica durante 37 anos e sempre vi que os cristãos têm uma contribuição a dar à sociedade, em todos os sentidos.
As pessoas que votaram em mim e que são cristãs evangélicas, católicas, seguem outras crenças ou não têm fé votaram também em função da minha trajetória. Ainda que haja identidade com os cristãos evangélicos, o que para mim é motivo de alegria.
Mas as pessoas sabiam que estavam votando em alguém que prima pelo respeito ao estado laico.
BBC Brasil - Alguns analistas criticaram a entrada do tema religioso na campanha, dizendo que ele fez com que o processo político regredisse no país. Marina - Somos um país onde mais de 90% das pessoas creem em Deus, e esse é um dado de realidade que não se pode negar. No entanto, precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade. Mas o respeito pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito daqueles que são evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista.
BBC Brasil - A sra. acha que os eleitores devem estar atentos ao tema do aborto? Marina - As demandas surgem porque a sociedade já está atenta. Teremos que debater a questão no mérito, e não no rótulo. Para mim, a defesa da vida é um princípio, e vejo que não só os que creem têm esse princípio.
Temos que diminuir o número de abortos no Brasil, dando a informação para as mães que muitas vezes pagam o preço muito alto, sequelas de saúde, emocionais...
BBC Brasil - E como lidar com uma mulher que fez aborto? Ela deve ser punida? Marina - É claro que uma mulher que fez o aborto não gostou de ter feito. Precisa de ser acolhida na sua angústia, na sua dor, na sua culpa.
BBC Brasil - O Brasil está de fato aumentando sua importância no mundo? Marina - O Brasil tem cumprido um papel importante, de liderança dentro do G20, G77. Na questão ambiental, o Brasil levou uma posição muito avançada para Copenhague, embora seja um país em desenvolvimento. Mas não se pode ver isso como algo estabelecido e conquistado, é um processo.
O papel que vejo para o Brasil é ser um país em desenvolvimento que busca novo modelo de desenvolvimento.
Fonte: Uol
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