Seguidores costumam escrever Deus, em espanhol, com um 10 no meio. Fundador conta detalhes da inusitada religião que cultua Maradona
Em Rosário, palco do duelo entre Argentina e Brasil, sábado, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2010, mais especificamente na Rua Garay, 197, mora Hernán Amez, um jornalista de 40 anos. Marido de Marcela e pai de Tomás, de 10 anos, ele vive um mundo paralelo. Tanto que acredita estar no ano 49, e não em 2009. Pode até parecer coisa de louco, mas não é. O fato é que esse argentino, torcedor do Newell’s Old Boys, é um seguidor da Igreja Maradoniana. Ou melhor, um dos seus fundadores.
Junto dos também rosarinos Alejandro Verón e Hector Campomar, Amez fez de sua paixão pela história de Maradona uma religião, acompanhada por mais de 100 mil pessoas em todo o mundo. A data de fundação coincide com o aniversário do técnico da seleção argentina: 30 de outubro. Só que o ex-jogador nasceu em 1960 (por isso o ano 49), e sua Igreja, em 1998. Faz quase 11 anos, então, que para algumas pessoas Diego deixou de ter o apelido de Deus para assumir de vez tal destino.
- Maradona está ligado a um momento emocional do argentino, a um período de felicidade, depois de tanto sofrimento com a ditadura. Ele transformou o futebol, que é um esporte coletivo, em um esporte individual. Ele fez o povo ressurgir com seu brilhante gol de mão diante da Inglaterra, na Copa do Mundo de 1986 – falou Amez.
Hernán Amez, ao lado de sua esposa, Marcela: provocação aos brasileiros não pode faltar
A Igreja Maradoniana, diferentemente da maioria das religiões, não tem sede fixa. Seus cultos ocorrem duas vezes por ano. Primeiro na “Páscoa”, que para eles é no dia 22 de junho, data da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, nas quartas de final Copa do Mundo de 1986, com dois gols de Diego (um com a mão e outro genial), e depois no “Natal”, comemorado no dia do aniversário do maior ídolo do futebol argentino.
Os encontros são sempre em Buenos Aires, capital da Argentina, em um local alugado pela organização. Maradona nunca participou de um culto desses, até por uma questão de segurança – sua presença poderia tornar impossível o controle dos seguidores. Mas isso não desanima os religiosos. Apenas reforça o status de Deus que Diego tem.
- Não esperamos nenhum milagre do Maradona, apenas acreditamos e cultuamos algo que vimos, que presenciamos. Muitas pessoas nos criticam e dizem que podíamos ter pensado em algo que ajudasse os outros, mas nós queremos cultuar Maradona. Não pedimos milagres a ele. Seu milagre foi “La Mano de Dios” – comentou o fundador.
Páscoa e Natal não são os únicos pontos em comum da Igreja Maradoniana com a Católica. Embora os propósitos sejam bem distintos, os fanáticos por Diego também têm a sua Bíblia (a biografia do craque argentino, escrita pelo jornalista Daniel Arcucci) e suas versões para as orações Pai Nosso (Diego Nuestro), Ave Maria (Dios te Salve) e Credo (Creo em Dios). Todas as adaptações foram feitas em cima do futebol.
- O Maradona é um ídolo, uma pessoa que desperta uma simpatia enorme em todos os argentinos – comentou José Caldeira, autor de um livro sobre a Igreja Maradoniana.
A mão que batiza
Transformar-se em um membro da Igreja Maradoniana requer certa habilidade: fazer gol com a mão, igual (ou parecido) com o que Diego fez na Copa do Mundo de 1986. Só assim o fã de Maradona poderá receber o título de seguidor. Para o ritual, o candidato precisa de uma trave, um amigo disposto a ser goleiro e uma bola.
A cerimônia é simples, mas às vezes não tão rápida. O responsável pelo batismo joga a bola na área, o candidato a seguidor tem de correr em direção ao goleiro e desviar com a mão esquerda (não vale se for com a direita) para as redes. Depois disso, o “padre” encerra com alguns dizeres. Acontece que em algumas oportunidades o defensor quer brilhar mais do que o atacante.
- É engraçado, porque os goleiros são apenas figurantes, mas alguns deles querem defender e vão sério na bola. Aí a pessoa tem de pegar o fim da fila – contou Hernán.
Casamento surpresa?
Aqueles que fazem parte da religião que cultua a imagem de Maradona podem até mesmo casar sob suas regras. Mas nem sempre ficam sabendo com antecedência que estão prestes a dizer “sim”. Foi assim justamente com um dos fundadores da Igreja.
- Meu casamento na Igreja Maradoniana foi uma surpresa, feita pelos amigos. Nós não esperávamos – falou Amez, acostumado a celebrar os casamentos na religião.
Foi o esporte, aliás, que colocou Hernán e Marcela frente a frente. E o palco desse encontro não poderia ter sido melhor: um campo de futebol.
- Eu conheci o Hernán no estádio do Newell’s Old Boys. Ele estava trabalhando para uma revista e eu para o esporte amador do clube. O futebol, então, é o nosso ponto de união – contou Marcela Gallego Amez.
Sábado, no entanto, provavelmente eles estarão separados quando Argentina e Brasil estiverem jogando no Gigante de Arroyito. Só ele tem credencial para a partida.
Fonte: Globo Esporte
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