Aluta contra o desrespeito às tradições religiosas africanas uniu centenas de pessoas durante a III Caminhada Contra a Violência, a Intolerância Religiosa e pela Paz, na tarde de ontem. Vestidos de branco, integrantes de mais de 50 terreiros do Engenho Velho da Federação e de outros bairros pediram paz e respeito aos cultos afro.

O início da marcha foi decretado com a soltura de pombos brancos pelas mãos de sete crianças. Num percurso de cerca de uma hora e 30 minutos, os participantes percorreram as ruas do Engenho Velho de Brotas até a Avenida Cardeal da Silva, seguindo pela Federação, e retornou ao bairro. Cada terreiro situado no percurso era reverenciado com salva de palmas e fogos de artifício.

Debaixo de chuva de milho branco, arroz e pipoca, representantes do povo-de-santo e militantes negros acompanhavam um carro de som, onde representantes de terreiros denunciavam agressões e constrangimentos sofridos por outras religiões, sobretudo das igrejas evangélicas neopentecostais, segundo eles. “O nosso objetivo é mostrar que todos têm o direto de escolher o seu culto e acreditar no que quiser. Nosso país precisa de uma cultura de paz. Esse tipo de coisa só gera violência. Não queremos isso”, afirmou a mãe-de-santo Valnízia de Ayrá, do Terreiro do Cobre, no Engenho Velho da Federação

Ela denuncia que no bairro, onde está concentrado o maior número de terreiros da cidade, as perseguições são constantes. Segundo ela, é cada vez maior o número de igrejas evangélicas que surgem no local, o que acaba promovendo desavenças. O pai-de-santo Ducho do Ogum, do terreiro Ilê Axé Awa Negy, sentiu na pele o preconceito. Durante cerca de três anos, conviveu com ofensas de integrantes de uma igreja evangélica localizada em frente ao seu terreiro.

“Durante os cultos, eles nos agrediam verbalmente e distribuíam panfletos que satanizavam a nossa religião. Já tentaram até invadir o terreiro”, lembra. Cansado de constrangimento, ele chegou a recorrer à prefeitura e delegacias para denunciar o abuso. “Depois que eles foram pressionados, decidiram fechar a igreja. Se eles (os evangélicos) querem respeito, têm que aprender a respeitar também”, observou.

“Os evangélicos acham que somos coisa do demônio e que só eles têm Deus. Nós também pregamos Deus, mas também em outras divindades que acreditamos e isso precisa ser respeitado” critica a ekede do Terreiro Tanuri Junsara, Jandira Mawusi. Ela ressalta que a prática do candomblé é também o resgate das tradições dos afrodescendentes e da Bahia.

Para Mãe Marlene, do Tanuri Junsara, “os terreiros de candomblé precisam estar sempre unidos para chamar a atenção da sociedade contra a intolerância”. Ela destaca ainda o papel social do candomblé dentro das comunidades. “Os terreiros se preocupam com a comunidade onde estão inseridos. A maioria deles desenvolve projetos sociais com crianças e jovens, mas isso ninguém vê”, avalia. A caminhada foi encerrada com um grande caruru distribuído para mil pessoas no Terreiro do Cobre.

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Festival agita Terreiro da Casa Branca

Jony Torres

Muita alegria e religiosidade marcaram ontem a abertura do 10º Alaiandê Xirê, o festival anual de alabês, xicarangomas e runtós. A festa do “mestre tocador” está sendo realizada no Terreiro da Casa Branca, no Engenho Velho da Federação, e reúne até domingo dezenas de sacerdotes musicais de diversos estados brasileiros, representando as três nações africanas mais presentes na cultura baiana: ketu, jeje e angola.

O festival começou no Dia de Oxóssi, com uma apresentação da Oficina de Frevos e Dobrados, regida pelo maestro Fred Dantas. Logo em seguida foram realizadas saudações aos ancestrais pelo grupo de alabês do Ilê Axé Iyá Nassó Oká, o Terreiro da Casa Branca. O orixá Xangô, padroeiro do festival, também foi saudado por vários grupos e seus toques característicos, numa prévia de como será o Alaiandê nos próximos dias.
O diretor de planejamento do evento, Luis Carlos Austragésilo, fez um pronunciamento destacando a importância do festival na reaproximação das várias culturas africanas espalhadas pelo mundo, devido à força dos traficantes de escravos. “Nós estamos indo no sentido contrário ao da diáspora e abertos à participação de todos”, afirmou Austragésilo.

Dentre a presença de representantes de terreiros de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, duas são destacadas pelos organizadores. O pernambucano Pai Valfrido, do Sítio do “Pai Adão”, e Ângelo Prado Peçanha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), babalaxé do Terreiro Ayrá Intile.
A décima edição do Alaiandê Xirê, criado por um grupo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro, este ano homenageia a atriz Chica Xavier, que interpreta uma mãe-de-santo na novela Duas caras, da Rede Globo. A agbeni Cléo Martins, uma das criadoras do festival, acredita que o evento já cumpre um papel fundamental para as religiões de matriz africana, mas ainda pode crescer muito mais.

“Ainda falta visão para algumas pessoas sobre a importância do nosso trabalho, que é muito sério e organizado. Ele é político por natureza, mas nunca será politiqueiro”, alfinetou Cléo. Ela lembrou ainda que a realização do evento na Casa Branca, um dos mais antigos terreiros do Brasil, é um motivo a mais para comemorar. “É o retorno triunfante de Xangô”, afirmou a religiosa.

Hoje, o festival terá uma programação teórica, com a realização de um seminário sobre ética, religiosidade e tradição. Às 10h, tem palestra sobre a ética nos meios de comunicação e cultural, em respeito às religiões de matrizes africanas, com participação do cineasta Lázaro Faria, a atriz Chica Xavier, a museóloga Mary Rodrigues e o diretor do Instituto de Radiodifusão Educativa do Estado da Bahia (Irdeb), Póla Ribeiro, entre ou-tros. Á tarde, haverá uma exposição sobre a história da Casa Branca e a exibição de filmes.

A apresentação os alabês, xicarangomas e runtós – como são chamados os sacerdotes musicais nas nações ketu, angola e jeje, respectivamente – vai ser no domingo, das 10h às 18h. Logo em seguida, tem show com a banda Samba de Viola. Todo o festival é aberto ao público. O Terreiro da Casa Branca, tombado desde 1984 pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional (Iphan), fica na Avenida Vasco da Gama.

http://www.correiodabahia.com.br/

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Eginoaldo

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