O esquema de venda de contêineres que gerou prejuízo a milhares de pessoas contou com aliados de peso, sem os quais provavelmente seria bem menor: pastores de uma igreja evangélica na Grande Belo Horizonte. A operação, uma espécie de golpe da pirâmide denunciada pelo Estado de Minas em 13 de fevereiro, já levou a 277 ações apenas no Fórum de Contagem e gerou prejuízos hoje calculados acima de R$ 50 milhões, segundo advogados ouvidos pelo jornal.
Contêiner é o nome dado aos recipientes de metal ou madeira usados para o transporte de carga. Em linhas gerais, a empresa Brasil Container, com sede em Contagem, prometia ao cliente um investimento com rendimento mensal de 7%, acima do oferecido pelas mais conhecidas aplicações financeiras. O risco, aparentemente, era pequeno: o cliente comprava um contêiner por R$ 5 mil e fechava um contrato de aluguel do mesmo contêiner, pelo qual receberia todo mês R$ 350. Para a Brasil Container, o negócio era interessante pela possibilidade de realugar o produto a grandes empresas por um preço maior – de R$ 500, por exemplo. Como costuma ocorrer nos sistemas de pirâmide, tudo ia bem para todo o mundo, até que o dinheiro parou de brotar, os primeiros lesados começaram a reclamar e o esquema foi enterrado.
Um dos sócios da Brasil Container, Valério Lanna Cardoso, era, até o ano passado, obreiro (na hierarquia da igreja, abaixo do pastor) da Igreja Cristã Maranata, que reúne centenas de milhares de fiéis no país e é a maior igreja evangélica do Espírito Santo, onde foi fundada. Aproveitando-se da atividade e da proximidade com pastores, ele é acusado de vender os contêineres aos fiéis – pelo menos 600 deles teriam sido lesados pelo golpe, segundo o advogado criminalista Osmiler Kleber Sacchetto Guimarães, que vem acompanhando o caso.
A reportagem conversou com vários desses fiéis, que se dizem “traídos” e “decepcionados”. Nenhum, porém, quis se identificar – um deles, um aposentado que buscou o investimento para ajudar no tratamento do câncer do filho, chegou a concordar em tirar foto e apresentar-se, denunciando um prejuízo de R$ 12.040. Mudou de ideia em seguida, alegando “medo”.
Não há, entretanto, razão para acreditar em culpa da Maranata, como instituição religiosa. Três pastores identificados na venda de contêineres foram imediatamente expulsos da atividade, segundo o secretário-geral da igreja na região metropolitana, Marco Antônio Picone Soares. Tão logo percebeu que membros estavam prometendo um investimento que garantia 7% de ganho por mês, Soares diz ter convocado Valério Lana para uma conversa, na qual foi informado que a Brasil Container exercia suas atividades legalmente. Posteriormente, reuniu todos os obreiros e alertou sobre os riscos do investimento. “Por fim, quando descobrimos que pastores nossos estavam participando das vendas, informamos a todos que não tínhamos nada a ver com isso e os afastamos da atividade”, diz o secretário-geral da Maranata.
A venda dos contêineres era feita geralmente depois dos cultos. O pastor/vendedor se apresentava como trabalhador da Brasil Container e elogiava os altos rendimentos da aplicação. “Tem um culto às 18h30 que ajudou nas vendas”, diz um dos fiéis ouvidos pelo Estado de Minas. “O problema é que colocamos a religião acima de qualquer coisa e não queremos prejudicar a Igreja.” Ele chegou a vender o carro e investiu os R$ 18 mil obtidos nos contêineres. “Meu irmão, também evangélico, perdeu R$ 44 mil. Um amigo meu, R$ 240 mil. Todos compraram de pastores da Maranata.”
“A verdade é que a Maranata, acima de tudo, foi usada”, diz o advogado Délio Malheiros, que também acompanha o caso. “A imagem fica um pouco arranhada, mas pelo menos agiu afastando os pastores das atividades.” José Geraldo das Neves é um desses clérigos afastados. Ele reconhece que trabalhou na Brasil Container, mas também informa que está entrando com ações na Justiça contra a empresa, inclusive na área trabalhista. “A Maranata é séria, teria de fazer isso mesmo (optado pelo afastamento dos pastores)”, diz Neves. Ele alega que nunca escondeu o trabalho fora da igreja: “Até porque todos os pastores, que não são remunerados, têm uma atividade secular”. E que nunca usou da autoridade conferida pelo fato de ser religioso para incrementar as vendas: “Quem comprou é maior de idade e investiu porque quis”. José Geraldo das Neves, porém, admite o arrependimento: “Entrei numa canoa furada”.
Israel Felipe da Silva também era pastor e não é mais. Segundo fiéis da Maranata, embora tenha ganhado dinheiro nas comissões de vendas, também perdeu muito como investidor nos contêineres. “Eu não era bem vendedor, era uma espécie de consultor, um contato para a empresa”, diz. Mas recebia comissões? “Vou ser sincero, sim.” Israel Silva diz ter uma aplicação de mais de R$ 200 mil bloqueada pela companhia de Contagem.
Ildeu Martins, segundo fontes, seria outro religioso que valeu-se da atividade para vender a aplicação financeira. Maurício da Costa, ex-obreiro da Maranata, seria um dos que mais ativamente envolveram-se no negócio. Como em outras vezes, o Estado de Minas tentou falar com a Brasil Container, mas não obteve êxito. Nenhum dos antigos colegas de religião de Valério Lanna Cardoso, por sinal, sabe de seu paradeiro.
O prejuízo não poupou nem pastores da própria Maranata, como José Rosa. Ele comprou seis peças, pelas quais pagou R$ 30 mil. Conseguiu de volta R$ 15 mil. “Para mim, o prejuízo maior foi a consideração que tinha por aquelas pessoas, que queriam dinheiro, mas sem mostrar prudência”, diz José Rosa. “O maior problema foi usar o nome da Maranata. O outro lado acaba pensando que a igreja tinha algo a ver com aquela venda.”
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